7.7.09

Candura




"Posso não concordar com o que dizes, posso até odiar o que dizes, mas dava a minha vida para que pudesses dizê-lo!"
disse-me alguém citando Voltaire.




Entreguei-me ao delírio fácil da frase, vagueando na sua liquefacção
(dizem-me que na nova terminologia esta palavra só tem um cê cedilhado, mas vou fazer de conta que não me disseram) ao absurdo. Nem as disputas constantes das crianças irrequietas que o Sol e o Vento são me acordaram.
O Mundo vive numa paralisia verbal traumática, não me referindo à quantidade mas à quantidade de ocorrências com qualidade. Este texto, por exemplo, não deveria sequer ser pensado no (meu) mundo ideal, onde independentemente de quanto se falasse, seriam sempre ditas as verdades para manter a qualidade sem cair de um certo nível. Não haveria palavras engolidas vivas, ainda a espernear, as suas vogais prendendo-se aos dentes e ficando presas até um qualquer vulgar transeunte dizer "desculpa, mas tens um R aí no cantinho...". E não o diria com reticências, teria "um R aí no cantinho, ponto final." Se tem, tem, e se não quer ter usa um palito. A obesidade seria drasticamente reduzida porque sempre que comemos uma palavra, estamos a comer a palavra "HIPOCRISIA", escrita com maiúsculas. E a maior das verdades é que somos o que comemos, e comemos esta palavra demasiadas vezes. No (meu) mundo ideal a liberdade de expressão não era uma liberdade mas uma obrigação.

Com uma travagem brusca acordei. Tinha uma fila de tristes à frente, todos eles remoendo a sua congestão de hipocrisia. Desfrutando da minha liberdade, fitei por fim as miudices do Sol e do Vento.

Nunca um amigo teve tanta razão no que me disse.

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