2.9.13


Sinto-me arroz, sou cocaína.

Vem, deixa-me ler os versos que te mancham as costas; vou-te massajar as dores, e quando achares que te passaram vou parar.



Porque estou aqui, arrozado, sem saber que fazer de mim, e o teu sorriso desconcerta-me. Estou a mil à hora e não saio do sítio, tenho uma sinapse encravada e trânsito mental, bonecas de luxo, affairs e textos proibidos, promiscuidades e heranças. Enquanto tudo me entope e tudo verte pus no meu cérebro, teu cabelo ruivo, tua testa branca e teu sorriso de quem sabe o que quer antes de lá chegar.
Eu sei pouco, pouco. Sei-te a ti hoje, talvez não amanhã. Ando a viver aos soluços, a dar passinhos de marioneta - tenho um arquivo com meus passos que revejo todos os dias, calculando a minha rota amanhã. Pseudo-pessoa? Há quem o diga - cuspo-lhes na cara.



Deixo-me arrastar no marasmo, estou bêbado de mim. Sim, bêbado, sinto o meu travo acre a vermute e detesto como me saibo. Porque não me saibo a vermute, como um dia soube. Não, não ressacarei de mim amanhã. Porque se fui vermute, sou agora chá verde. Se fui coca, não passo agora de acompanhamento de bife para a barriga da burguesia.


[14.12.2010]

4.2.13

TREASON

A música era barulhenta e electrónica, e teimava em compactar o fumo que pairava na sala em cubos e pirâmides. Olhares e sorrisos esquivavam-se a esta moldagem geométrica. Entre gargalhadas e faux-insultos, os dois passavam o tempo e o Cosmos ria, sádico. Eles esgueiravam mais do que os sorrisos e as piadas entre as arestas de fumo. Enquanto aqueles dois riam e dançavam e anteviam o que se adivinhava (e o Cosmos sabia) que fosse acontecer, um terceiro elemento sai ferido e magoado, como se todos os polígonos de fumo lhe fossem arremessados em simultâneo, e todo o fumo ainda apenas fumo lhe fosse bombeado directamente para o sangue.

Que egoísta parece ele ao Cosmos, triste e raivoso pela aparente felicidade fugaz dos dois boémios. Que mesquinho da parte dele odiá-los quando só fazem o que todo o homem faz. Que patético invejá-los enquanto se deixa ficar em casa, num plano que vai cumprindo demasiado escrupulosamente de esvaziar congelador e frigorífico.

E eles, que insensíveis parecem aos olhos do Cosmos! O Cosmos vê todos os seres existentes e eles ignoram propositadamente uma existência por um motivo tão ignóbil como a satisfação das necessidades mais primitivas. Que idiotas, a perder tempo com todo um jogo de sedução perfeitamente dispensável porque desde que puseram os olhos um no outro que sabem o que vai acontecer. E que falta de jeito para a dança!


 
Lá em baixo, protegidos por pele e osso da visão omnisciente do Cosmos, os corações dos três suspiram de inveja. Todos queriam ser fumo, compactável e dispersável. Todos gostavam de não ter já tantas nódoas negras, por tanto darem luta. E gostavam de parar com todas estas cambalhotas, que impedem o seu correcto recobro até à recuperação total das suas capacidades. Lá em baixo, todos os corações querem parar. Todos, o do Traidor, o do Trocado e o do Terceiro.