A música era barulhenta e electrónica, e teimava em compactar o fumo que pairava na sala em cubos e pirâmides. Olhares e sorrisos esquivavam-se a esta moldagem geométrica. Entre gargalhadas e faux-insultos, os dois passavam o tempo e o Cosmos ria, sádico. Eles esgueiravam mais do que os sorrisos e as piadas entre as arestas de fumo. Enquanto aqueles dois riam e dançavam e anteviam o que se adivinhava (e o Cosmos sabia) que fosse acontecer, um terceiro elemento sai ferido e magoado, como se todos os polígonos de fumo lhe fossem arremessados em simultâneo, e todo o fumo ainda apenas fumo lhe fosse bombeado directamente para o sangue.
Que egoísta parece ele ao Cosmos, triste e raivoso pela aparente felicidade fugaz dos dois boémios. Que mesquinho da parte dele odiá-los quando só fazem o que todo o homem faz. Que patético invejá-los enquanto se deixa ficar em casa, num plano que vai cumprindo demasiado escrupulosamente de esvaziar congelador e frigorífico.
E eles, que insensíveis parecem aos olhos do Cosmos! O Cosmos vê todos os seres existentes e eles ignoram propositadamente uma existência por um motivo tão ignóbil como a satisfação das necessidades mais primitivas. Que idiotas, a perder tempo com todo um jogo de sedução perfeitamente dispensável porque desde que puseram os olhos um no outro que sabem o que vai acontecer. E que falta de jeito para a dança!
Lá em baixo, protegidos por pele e osso da visão omnisciente do Cosmos, os corações dos três suspiram de inveja. Todos queriam ser fumo, compactável e dispersável. Todos gostavam de não ter já tantas nódoas negras, por tanto darem luta. E gostavam de parar com todas estas cambalhotas, que impedem o seu correcto recobro até à recuperação total das suas capacidades. Lá em baixo, todos os corações querem parar. Todos, o do Traidor, o do Trocado e o do Terceiro.