18.10.10

Diálogo



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Ainda há magia no ar?
Não, já nada puxa as folhas ao chão do Outono, já nada filtra a luz do Sol Nascente, já nada abre os ovos aos girinos no pântano.
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Por aqui caem as nuvens, sobre ti e sobre mim. Um dia matar-te-ão como a mim já o fizeram, um dia chorar-te-ão como a mim tão poucos o fazem.
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Já perdi a conta aos sabores que conheço e já não distingo os agradáveis dos odores. Pelo tacto já passou tanto que já pouca ou nenhuma diferença faz. A chuva vem consolar-me, esfregar-se em meu ombro, apagar o rubor das bochechas: vem tentar o que o Sol não consegue e o Vento nem tenta, mas vem desmaterializar-se a cada instante em que creio e julgo finalmente tê-la.
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Magia no ar? Há, há sim. Empurrarei cada folha, pintarei de Outono cada estrada, darei um nome a cada sapo que fizer nascer. A ti continuará a chover-te em cima. Sou eu, eu a estar contigo, húmidos como deveríamos estar, chafurdando em parvoíces. Eu vou-te diluir o sal das lágrimas e lavar a mente da dor da sinapse.



Labuta diária, peso nas mãos, vento na cara, tufão à frente. Tempestade, árvores, folhas, nuvens, gatos vadios a bufar para o ar. E eu sinto a água na cara, vejo-a a voar para mim, sinto o seu cheiro de berço novo, acolho-a na minha pele! À minha volta o fim do mundo parece real, mas chovem-se-me os lábios numa gargalhada aos elementos e corro como um puto pra saltar na poça mais próxima.

Rir-te-ei como ninguém o faz.

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